quinta-feira, 1 de maio de 2008

Para entender: Como a crise americana afetará o Brasil

28/01/2008 19:35
Governo e economistas dizem que o país está blindado, mas é difícil fugir do temor com uma recessão nos Estados Unidos

Os fatos
Na segunda-feira, 21 de janeiro, as bolsas de valores de todo o mundo viveram um dia de pânico. De Mumbai, na Índia (queda de 7,41%), passando por Frankfurt (7,16%) e São Paulo (6,6%), os mercados reagiram com pessimismo ao temor de uma recessão nos Estados Unidos. “Segunda-feira negra, de novo”, pôs na manchete o diário canadense Toronto Star, ao lembrar o 19 de outubro de 1987. Convém recordar que o tremor de duas décadas atrás foi o maior declínio de papéis americanos em um único dia (22,6%) em todos os tempos. O choque de 2008 é incomparavelmente menor, mas ainda assusta. Os mercados europeus tiveram, na semana passada, as maiores perdas desde o 11 de Setembro de 2001. A bolsa espanhola teve a maior queda da história, 7,5%.
A reação em cascata foi uma resposta à insegurança com o pacote anti-recessão anunciado por George W. Bush na sexta-feira, 18. Bush anunciou o ingresso de US$ 145 bilhões no bolso dos consumidores em forma de incentivos fiscais, com cortes de impostos. “Deixar que os americanos fiquem com mais de seu dinheiro deve fazer crescer os gastos com consumo”, afirmou Bush. As medidas precisam passar por aprovação no Congresso.
A ineficácia do anúncio de Bush levou o Federal Reserve, o banco central americano, a tirar uma carta da manga na terça-feira, 22. Foi determinada a redução de 0,75 ponto percentual na taxa de juros, que caiu para 3,5% ao ano. Há 23 anos não havia corte dessa magnitude. O objetivo é pôr mais dinheiro na praça e incentivar o consumo. A medida funcionou e, no dia seguinte, as bolsas se comportaram com mais calma. Mas na quarta-feira a turbulência voltou com força. O temor de novos tombos domina o tradicional Fórum Econômico Mundial em Davos. “Estamos no primeiro ou no segundo assalto de uma luta de 15 rounds”, disse Guillermo Ortiz, presidente do Banco Central Mexicano.
É quase unânime a impressão de que as medidas servem apenas como anestesia. “Atacam os sintomas, não as causas”, diz Andrew Freris, economista do banco BNP Paribas em Hong Kong. Cabe lembrar, então, quais são as causas, e como tudo começou.
- Entre junho de 2003 e maio de 2004 os juros americanos estavam baixos, na casa de 1% ao ano. Os bancos passaram, então, a conceder crédito imobiliário (o sonho da casa própria é atavicamente americano) a clientes que não tinham boa avaliação.
- Esses clientes contrataram as chamadas hipotecas de alto risco (subprime, no inglês), com taxas pós-fixadas. Com a alta dos juros básicos, que em 2006 chegaram a 5,25%, muitos clientes deixaram de pagar suas prestações em dia. “A essência do problema é que se emprestou muito dinheiro a quem não se devia emprestar”, diz Wilber Colmerauer, da corretora Liability Solutions.
- A inadimplência obrigou os bancos a impor restrições ao crédito. Resultado: menos dólares com os cidadãos e freio no consumo, o que aponta para a recessão. Como os Estados Umidos são a maior economia do planeta é fácil entender por que a dificuldade de um cidadão do interior americano para quitar uma dívida pode mexer com a vida de um brasileiro. Com a freada brusca nos Estados Unidos haverá queda nas exportações brasileiras e, conseqüentemente, na criação de empregos.
Há, depois de tudo somado, uma questão crucial: o Brasil está blindado?

Como proteger seu dinheiro
O que economistas recomendam no Brasil, agora
Ações. Mantenha a calma e espere a recuperação dos papéis. Para quem ainda não entrou na Bolsa, o conselho é esperar. A turbulência pode durar até seis meses.
Dólares. A tendência é de queda. Mesmo com as ligeiras valorizações registradas quando os mercados respiram, os economistas desaconselham o investimento.
Imóveis. Boa alternativa para quem tem dinheiro e não precisa de liquidez no curto e médio prazos. As facilidades do crédito devem continuar em 2008, apesar da crise.
Fundos DI. O mercado de renda fixa, mais protegido das oscilações, é escolha certa, especialmente para o investidor mais conservador, avesso ao risco.

As opiniões
Governo e economistas concordam que o Brasil não tem total imunidade ante a crise. A blindagem é mais uma esperança que realidade. Mas é comum a impressão de que o país está preparado para o tranco. “Desta vez será diferente”, aponta a revista The Economist, que ouviu o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega. “O Brasil nunca esteve tão bem posicionado”, afirma. Para o financista Armínio Fraga, “muito foi feito quando os ventos ainda estavam favoráveis”. Em entrevista a O Estado de S. Paulo, Fábio Barbosa, presidente da Febraban, a federação dos bancos, e do ABN Amro Real, crê que “a crise externa vai tirar só umas lascas da economia brasileira”. Essa proteção, se confirmada, tem algumas explicações:

Mercado interno: ao contrário do passado, quando a expansão da economia estava muito concentrada nas exportações, o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) nos últimos trimestres foi sustentado pelo mercado interno. O aumento dos níveis de emprego e de renda estimulam o consumo e fazem a economia girar.
Crédito: apesar de a taxa de juros no Brasil ainda estar entre as mais elevadas do mundo, nos últimos dois anos houve movimento de redução dos índices e acesso ao crédito, especialmente o imobiliário. Como o déficit habitacional brasileiro é de quase 8 milhões de moradias, construtoras e incorporadoras nunca venderam tanto.
Balança comercial globalizada: a diversificação das exportações brasileiras ajuda a amenizar os efeitos da crise. Claro que os EUA continuam sendo um grande comprador, mas as vendas externas não se concentram mais no mercado americano.
Reservas e contas públicas: o Brasil praticamente zerou sua dívida pública em dólares. As contas estão equilibradas, o superávit primário tem ajudado a reduzir a relação dívida-PIB e a inflação está sob controle, dentro das metas do Banco Central.

O cenário é otimista, mas há riscos. “Não dá para dizer que a indústria está blindada, ninguém está blindado”, diz Paulo Francini, diretor da Fiesp, ouvido pela Folha de S.Paulo. “Tudo é comunicante, é uma característica da economia no mundo.”
http://revistadasemana.abril.com.br/edicoes/21/doquesefala/materia_doquesefala_268050.shtml?page=2

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