quinta-feira, 8 de maio de 2008

Uma só história

08 de maio de 2008
JANIO DE FREITAS
Entre os fazendeiros Bastos de Moura, do assassinato no Pará, e Quartiero, do tiroteio em Roraima, muda só o nome
PARECEM independentes, por estarem um em Roraima e outro no Pará, mas são um único episódio o conflito fazendeiros/índios na reserva indígena Raposa/ Serra do Sol e, concomitante, a absolvição do acusado de co-autor, como mandante, do assassinato da freira Dorothy Stang.
Entre os fazendeiros Paulo Cesar Quartiero, que armou o tiroteio contra índios da reserva por ele ocupada, e Bastos de Moura, o do assassinato, muda só o nome. É idêntica a apropriação de terras, é a mesma a exploração semi-escravagista da mão-de-obra miserável, a motivação da violência armada é igual. E o fundo social e histórico não difere se os momentos do episódio estão em Roraima ou no Pará, no Amazonas ou em Mato Grosso.
Não se cria episódio novo, também, por serem vítimas os índios macuxis de Roraima, os lavradores fuzilados pela PM paraense em Eldorado do Carajás, os missionários vitimados na Amazônia (só no Pará, há 100 religiosos sob proteção policial, dentre cerca de 300 ameaçados de morte).
A novidade, em Roraima, veio do governador do Estado, José de Anchieta Jr., chefe do PSDB local. Sua explicação para a entrada de índios na terra indígena ocupada por Quartiero voltou à ditadura, para dar atualidade conceitual ao conflito histórico: "A invasão [dos índios] foi uma ação terrorista". No dia mesmo desse terrorismo talvez planejado por Bin Laden, Anchieta apegou-se à sugestão presente em uma pergunta de apresentadora na GloboNews e acusou os defensores da reserva, tal como homologada pelo governo Lula, de agirem por "interesses escusos". Como governador, sua obrigação mínima seria apontar tais interesses. Se não o fez, não há de ter sido por descaso, mas por algum impedimento.
Não tardou, porém, a reparar a omissão, como conviria a mais um peessedebista batalhador da moralidade pública, questões pessoais à parte. Tão logo informado da prisão, na terça-feira, do fazendeiro Quartiero, mandante do ataque armado aos índios, o governador procurou o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, com empenhado pedido de que interviesse em favor do preso. O governador José de Anchieta Jr. comprometeu-se, portanto, com o crime do ataque a bala e bomba contra os índios e com o organizador da milícia jagunça, já acusado pela Polícia Federal e pelo ministro da Justiça de formação de quadrilha, posse de explosivos, incitação de outros fazendeiros à violência e co-autoria em tentativa de homicídios.
Logo, com sua intervenção junto a Chinaglia o governador José de Anchieta Jr. deixou claro quem tem os "motivos escusos", mas não mais encobertos.
Muitas vezes não se pode publicar o que sabe. Mas algumas pessoas ajudam a resolver esse problema.

Tudo bem
Já estava em 41, na tarde de ontem, o número de mortes confirmadas no mais recente naufrágio na Amazônia. A regularidade dessas tragédias só é comparável à permanente naturalidade com que são recebidas. "É, o barco não tinha licença para transporte de passageiros, não tinha nem registro na Capitânia de Portos para navegar e, ainda por cima, levava excesso de lotação."
Pois é. Em fevereiro o barco até foi apreendido, mas liberado porque o "dono prometeu" que faria a regularização na Capitania. E, veja só, não fez e ainda ficou transportando mais de cem. Pois é.
A indiferença dos senadores e dos deputados do Amazonas e do Pará não é menos cúmplice da ameaça à vida dos seus conterrâneos obrigados ao transporte coletivo nos rios. Nenhum pedido de informações à Marinha sobre as suas condições de fiscalização, nenhuma providência junto ao governo federal, nem ao menos a vulgar atitude de tribuna.
Ora, é só aquela gente lá de dentro da Amazônia.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc0805200809.htm

Nenhum comentário: