sábado, 31 de maio de 2008

Fusão - A venda da Nossa Caixa ao Banco do Brasil serve a Serra e ao governo Lula

Interesses recíprocos
30/05/2008 14:53:54
A pouco mais de dois anos do fim do mandato, e também das próximas eleições presidenciais, o governador de São Paulo, José Serra, encontrou um novo modo de reforçar o caixa do estado e deixar a marca de sua administração na forma de obras de infra-estrutura, após a fracassada tentativa de privatização da Cesp, geradora de energia. A possível venda da Nossa Caixa ao Banco do Brasil, cuja negociação está em andamento, pode render mais de 6 bilhões de reais aos cofres estaduais, de acordo com a avaliação de especialistas. De quebra, o tucano escaparia do estigma de privatista, que aterroriza os tucanos.

Serra sustenta que o negócio só será fechado se considerar satisfatórias a quantia e as condições oferecidas pelo Banco do Brasil. “Não se pode dar de barato que a Nossa Caixa vai ser vendida. Depende da proposta”, disse. Há quem veja no argumento uma maneira de deixar uma fresta aberta para a realização do leilão, como querem os maiores bancos privados do País, que reclamaram da negociação. Como se sabe, nenhum candidato a presidente do Brasil pode cometer a loucura de entrar em conflito com o sistema financeiro. O governador nega, ainda, que a licenças da Cesp tenham sido postas na mesa de negociação. “Isso é especulação”, afirmou.

O valor de mercado da Nossa Caixa, calculado pela consultoria Economática com base na cotação das ações da instituição, ao preço de quarta-feira 28, chegaria a 4,135 bilhões de reais. Outra estimativa feita, a pedido de CartaCapital, pela Austin Rating, elevou a cifra para até 9 bilhões de reais, ao considerar também fatores como capitalização, endividamento e papéis preferenciais da empresa. O preço pode parecer alto, se comparado com os 7 bilhões que o espanhol Santander se dispôs a pagar pelo Banespa, em 2000, mas leva em conta o balanço mais saudável do último banco em poder do estado de São Paulo.

Se a compra for fechada, será o segundo episódio recente em que a Nossa Caixa dará um reforço decisivo às contas paulistas. Em março de 2007, o banco anunciou o desembolso de 2,1 bilhões de reais para manter a prerrogativa de administrar as contas do funcionalismo público estadual. A avaliação dos agentes de mercado foi de que o preço pago era alto demais, devido à interferência do governo, dono de 71% das ações da instituição. Os papéis despencaram mais de 30% nos dias seguintes à divulgação da notícia. O valor de mercado da instituição, à época, chegou a cair para 3,3 bilhões de reais.

Para o analista da Austin, Luis Miguel Santacreu, os resultados positivos da Nossa Caixa dão a impressão de que o governador está disposto a matar uma galinha que põe ovos de ouro, mas com uma ressalva: “Serra tomou o cuidado de recheá-la bastante antes do sacrifício”. Diante da possibilidade de transferência de controle da instituição, os investidores colocaram na ponta do lápis a rentabilidade das contas de mais de 1 milhão de servidores estaduais, além das prerrogativas de administrar 16 bilhões de reais em depósitos judiciais e de oferecer crédito consignado ao funcionalismo.

Desde a publicação do fato relevante sobre a possível venda ao Banco do Brasil, no dia 21 de maio, a valorização dos papéis da Nossa Caixa chegou a 45%. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) investiga o fato de o movimento de alta ter começado ao menos três dias antes, quando as ações do banco registraram movimentação superior à média. Apesar de ter ultrapassado os 40 reais por ação ordinária na quinta-feira 29, a cotação ainda está distante do pico de 50 reais, registrado em dezembro de 2006.

Embora se trate de uma transação entre dois entes públicos, o mercado avalia que a estrutura do Banco do Brasil tem um perfil mais profissional e menos político que o da Nossa Caixa. “A governança corporativa tende a melhorar”, diz o diretor da corretora Infinity Asset, em Curitiba, André Paes. Ele avalia que, mesmo se a instituição federal preservar as agências e incorporar os funcionários do banco paulista à própria folha de pagamento, a chance de pular do quarto ao primeiro lugar entre os bancos que atuam no estado justifica a operação. “A compra também estaria alinhada à estratégia de expansão do Banco do Brasil, que decidiu dar uma resposta ao avanço dos concorrentes privados”, acrescenta.

No ano passado, o banco federal, que ocupa hoje a primeira posição no ranking do sistema financeiro brasileiro adquiriu o Banco do Estado de Santa Catarina (Besc), ainda em fase de incorporação, e também iniciou a negociação para adquirir o Banco de Brasília (BRB). A instituição ficou de fora da rodada de venda dos maiores bancos estaduais, que permitiu a entrada do Santander no País e o crescimento do Itaú e do Bradesco.

Do ponto de vista da concentração bancária, a compra da Nossa Caixa pelo BB fará pouca diferença. Segundo dados do Banco Central, as dez maiores instituições do País detêm 70,65% do total de ativos do sistema financeiro. Se a incorporação for adiante, o índice subirá para 72,50%.

Mesmo assim, a arrancada do Banco do Brasil começa a preocupar os bancos privados, que brigam, nos bastidores, para que o governo de São Paulo ofereça a Nossa Caixa em leilão aberto. “É importante que essa movimentação (a venda do banco paulista) aumente o nível de concorrência dentro das regras do livre mercado”, declarou à imprensa o presidente da Febraban e do ABN Amro, Fábio Barbosa. Depois da manifestação do representante dos bancos, começou também a vir a público uma série de pareceres de juristas renomados, a sustentar a tese de que não há inconveniente para a venda do banco público em pregão. Peças jurídicas dessa natureza dificilmente são produzidas por preços inferiores a algumas centenas de milhares de reais.

Para o advogado Ivo Waisberg, do escritório Wald Associados, a dispensa de licitação no caso da venda da Nossa Caixa para o Banco do Brasil é um tema controverso, mas que deverá enfrentar pouca resistência nos tribunais. “A lógica econômica diz que um leilão tende a ser mais rentável e transparente. Do ponto de vista político, porém, a alienação para um órgão público desperta menos resistência de setores da sociedade”, analisa. “Em tese, qualquer um pode apresentar argumentos e tentar barrar a negociação. Só que os sindicatos, por exemplo, correriam o risco de ver o banco ser vendido a um concorrente privado.”

Tanto as entidades que representam os bancários quanto os parlamentares da base petista na Assembléia Legislativa de São Paulo se mostram favoráveis à negociação direta com o Banco do Brasil. Mas exigem que a totalidade dos funcionários seja incorporada pela instituição federal. Santacreu, da Austin Rating, lembra que o ex-governador Geraldo Alckmin não conseguiu sequer vender participações minoritárias no banco, devido às resistências dos mesmos setores que agora apóiam a negociação com o Banco do Brasil.

De concreto, por enquanto, há o trabalho dos técnicos da instituição federal que estão em São Paulo, assessorados por profissionais da consultoria Booz Allen Hamilton, mergulhados nos números do banco paulista, sob acordo de confidencialidade. Para o lado da Nossa Caixa, foram contratados especialistas do Banco Fator. É do consenso entre esses dois grupos sobre o valor a ser desembolsado pelo Banco do Brasil que depende, por enquanto, não só o sucesso da negociação, mas também a disponibilidade de recursos de Serra nos últimos anos de governo.
http://www.cartacapital.com.br/app/materia.jsp?a=2&a2=7&i=1035

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