São Paulo, sábado, 09 de agosto de 2008
Ramo recente da psicologia trata o trauma do câncer na família e no paciente; especialistas divergem sobre o tema
"Só quem vence o estigma de morte ligado à doença e de loucura ligado à psicologia procura ajuda", diz psicooncologista
Faz algum tempo que Lucas, 4, pele alva e grandes olheiras, voltou a correr pela brinquedoteca do Centro Infantil Boldrini, em Campinas. Se agora ele se pendura no pescoço da mãe, Manoela Dualibe, 29, mostrando os dentes e ela não cai no choro como no começo da leucemia, diz, é porque teve "muito suporte". Ele faz quimioterapia. E ela ainda conversa com a psicooncologista que a "tirou da depressão".
"Toda a família adoece com o câncer", diz a presidente da Sociedade Brasileira de Psicooncologia, Elisa Perina. Ela diz que o ramo recente da psicologia que trata os traumas do câncer permanece um mistério pela "quase inexistência em hospitais públicos". Há, sim, psicólogos nos centros oncológicos, exigência do Ministério da Saúde, mas sem a especialização. Especialistas divergem sobre o tema (leia texto nesta página).
"Quando descobri a leucemia do meu filho, em 2006, achei que era a certidão de óbito", diz Manoela, levada a contragosto pela médica à psicooncologista. Viu o filho aprender sobre as "bolinhas do mal" e ganhar uma boneca para dar injeções, aceitando melhor o tratamento. "Mas quem precisava era eu", diz, com o sotaque de São Luís (MA), que ambos deixam a cada dois meses para ir a Campinas. "Precisei de ajuda para não passar tristeza para ele.
"Depois de 20 anos tratando pacientes com câncer, a psicoterapeuta Maria Margarida Carvalho, 75, a Magui, diz que pouco mudou desde então.
"Quando um psicooncologista procura o paciente, ainda ouve: "Não preciso de nada, não sou louco, só tenho câncer"."
Hoje, ela atende pacientes no sobrado com "cheiro de casa da avó", no Pacaembu (região central de SP). "Só quem vence o estigma de morte ligado à doença e de loucura ligado à psicologia procura ajuda."
Segundo Humberto Verona, presidente do Conselho Federal de Psicologia, a "atenção ao sujeito" é cabal para reduzir o sofrimento. Com isso, diz, "consegue-se um resultado muito melhor no tratamento."
Mas, mesmo que não haja cura, "é preciso viver até o fim", diz Magui. Ela fala de um paciente que chegou "desenganado", e que, cheio de planos, casou, comprou casa, escolheu a mobília. Morreu meses depois -mas viveu bem até o fim. "Às vezes a pessoa está morrendo, quer falar dos medos, mas a família, não. O companheiro da morte é o psicooncologista."
Elisa Perina concorda. "Fora de possibilidade de cura, o que vale é a qualidade de vida", diz. "Por que ir para o respirador na UTI se ele viverá cinco dias? Melhor estar cercado pela família." Como Katia (leia texto ao lado), que superou a morte iminente da filha realizando-lhe o último desejo -aproveitar bem sua presença.
Para quase todos
Edilaine Pimentel disse não. Ela engoliu as lágrimas para enfrentar o câncer no mediastino da filha, Ana, 15. Quando a psicóloga foi à UTI e perguntou o que ela tinha, Ana disse: "Sei, tenho câncer. Pode ser que eu morra, mas pode ser que não".
Ambas aceitaram a doença sem desespero, "pela fé em Deus", diz Edilaine, evangélica de fala pausada. "Acho importante a psicooncologia, mas a gente não precisa." Nem vai precisar, diz, mesmo tendo o câncer voltado sem resposta à quimioterapia. A última chance é o transplante de medula. "Tem sofrimento, mas tem vitória também", diz, sorrindo.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0908200837.htm
sábado, 9 de agosto de 2008
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