segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Alegoria da Caverna




Suponhamos homens numa habitação subterrânea em forma de caverna, com uma entrada aberta para a luz, que se estende por todo o comprimento dessa gruta. Estão lá desde a infância, algemados pelas pernas e pescoços, de tal maneira que só lhes é dado permanecer no mesmo lugar e olhar em frente; são incapazes de voltar a cabeça, por causa dos grilhões; serve-lhes de iluminação um fogo que se queima ao longe, numa elevação por detrás deles; entre a fogueira e os prisioneiros há um caminho ascendente, ao longo do qual se construiu um pequeno palco, no gênero daquele que os homens de teatro colocam diante do público, para mostrarem as suas habilidades, em cima deles.(...)

Imagina também ao longo deste muro, homens que transportam toda a espécie de objetos, que o ultrapassam: estatuetas de homens e de animais, de pedra e de madeira, de toda a espécie de lavor; como é natural, dos que os transportam, uns falam, outros seguem calados. (...)

Em primeiro lugar, pensas que nestas condições, eles tenham visto, de si mesmo e dos outros, algo mais do que sombras projetadas pelo fogo na parede oposta da caverna? (...)

Então, se eles fossem capazes de conversar uns com os outros, não te parece que eles julgariam estar a nomear objetos reais, quando designavam o que viam? (...)

De qualquer modo, pessoas nessas condições não pensavam que a realidade fosse senão a sombra dos objetos. (...)

Considera pois o que aconteceria se um deles fosse solto das cadeias e curado da sua ignorância, a ver se, regressado à sua natureza, as coisas se passavam deste modo. (...)

E se o arrancassem dali à força e o fizessem subir o caminho rude e íngreme, e não o deixassem fugir antes de o arrastarem até a luz do Sol, não seria natural que ele sofresse, por ser assim arrastado, e depois de chegar à luz, com os olhos deslumbrados, nem sequer pudesse ver nada daquilo que agora dizemos ser os verdadeiros objetos. (...)

E então? Quando ele se lembrasse da sua primitiva habitação, e do saber que lá possuía , dos seus companheiros de prisão desse tempo, não crês que ele se regozijaria com a mudança e deploraria os outros? (...)

E as honras e elogios, se alguns tinham então entre si, ou prêmios para o que distinguisse com mais agudeza os objetos que passavam, e se lembrasse melhor quais os que costumavam passar em primeiro lugar e quais em último, ou os que seguiam juntos, e àquele que dentre eles fosse mais hábil em predizer o que ia acontecer – parece-te que ele teria saudades ou inveja das honrarias e poder que havia entre eles ...
Platão, A República (514a-516a)


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