sábado, 12 de setembro de 2009

Coluna Warm Up: Fim de linha

11/09 - 19:44

Piquet-pimpolho revela-se dono de personalidade frágil, isso sim. Não há justificativa para o que fez. Que pedisse demissão, nem corresse, metesse a boca no mundo

Flavio Gomes


Nelsinho Piquet confessou, por escrito, que causou deliberadamente o acidente que deu a vitória a Fernando Alonso em Cingapura no ano passado. A íntegra de sua confissão à FIA é uma peça forte e chocante.

Nelsinho isenta Alonso, afirmando que apenas Pat Symonds, diretor-técnico da Renault, e Flavio Briatore, chefão do time, sabiam dos planos. Justifica-se por um "estado emocional frágil", por conta das incertezas sobre seu futuro na equipe.

Piquet-pimpolho revela-se dono de personalidade frágil, isso sim. Não há justificativa para o que fez. Que pedisse demissão, nem corresse, metesse a boca no mundo. "Ah, é fácil falar", dirá alguém. É fácil, mesmo. Se ele fizesse isso, não estaria em jogo sua vida, sua carreira, nada. Ao contrário, jogaria luz nas trevas da Renault e da F-1, poderia dormir em paz.

Uma coisa é aceitar fazer o inaceitável diante de ameaças irreversíveis. Perder a casa, a vida, um filho, um braço. Essas coisas de filmes, torturas, mutilações. Outra, bem diferente, é se agarrar a um emprego medíocre cometendo um ato indefensável. O que poderia lhe acontecer de pior se não aceitasse? Perder a vaga? Deixar de correr na F-1? Bela porcaria.

O troco, em Monza, foi do mais baixo nível. Briatore avisou que Piquet será processado criminalmente. Ele e seu pai. Acusa a ambos de chantagem e extorsão. Disse que Nelsinho é fraco, não tem performance, sempre teve uma equipe à disposição, e quando enfrentou umcampeonato de verdade, perdeu a cabeça. Até aí, tudo bem. Depois, enveredou pela vida pessoal do menino.

Disse que ele tinha um relacionamento com um homem mais velho, "viviam juntos", o que preocupava seu pai. Que teria pedido para que ele, Briatore, interferisse no caso. Sugeriu que havia uma relação homossexual entre Nelsinho e a pessoa não-identificada, que seria um inglês, um certo Marc, que o acompanharia desde os tempos de F-3. Baixaria total.

A carreira do menino acabou, de qualquer forma. E tenho pena dele. O que fez é desprezível, mas sinto mais pena do que desprezo. De gente como Briatore, Symonds e todos da F-1, que conheço bem, pouca coisa me surpreende. Esses que se danem, serão punidos, se tudo for comprovado, acho que nunca mais aparecerão num paddock. Quem mais vai se sujar nisso tudo, justamente por ter se sujeitado à ganância dos patrões, que são reconhecidamente maus elementos, é Piquet Jr. Porque de um piloto se espera um comportamento diferente, o que resta de pureza num esporte mau.

Há alguns anos, quando Nelsinho ainda estava na GP2, escrevi um texto sobre ele depois de um entrevero com um piloto turco em Mônaco. Ele quis bater no cara porque ele o atrapalhou num treino. Fiquei muito mal-impressionado com o rapaz, a quem não conhecia direito, pois ele estava chegando, vinha da F-3 inglesa, não tínhamos muito contato. Achei-o um menininho arrogante, um merdinha, para usar o português bem claro.

Mas depois parei de viajar com a F-1, não o encontrei mais, e nos últimos meses ele até ganhou uma certa simpatia da mídia — e do público, por que não? — por sua atuação no Twitter, sempre dando a impressão de ser muito franco e sincero, disponível, interativo nas suas mensagens, revelando algumas inseguranças e esperanças, um jovem em busca de um lugar no mundo. Causava uma certa consternação ouvi-lo, sempre em voz baixa, preocupado com o futuro, sofrendo numa F-1 dura e competitiva, alvo de críticas e incertezas.

O "franco e sincero", pelo jeito, ficaram na impressão. Porque alguém que faz o que ele fez não merece mesmo estar no esporte, como bem disse Barrichello. É indefensável. Nelsinho é vítima e vilão dessa história. Vítima, porque está acabado para a F-1. Vilão, porque se submeteu a uma manobra grosseira, prejudicando colegas de trabalho visando apenas seu benefício, um lugar para correr. Não mediu conseqüências. Há outros vilões, claro. Só que esses sempre foram. De um atleta, choca saber que se vendeu por pouco.

Espero que esse episódio tenha conseqüências. Symonds, num depoimento à FIA, dá a entender que houve, mesmo, a sugestão de que se forçasse a entrada do safety-car para favorecer Alonso. Briatore nega. “Nelsinho bateu 17 vezes, não foi só aquela. E é impossível prever o que vai acontecer numa corrida depois de 14 voltas.” OK, é um argumento. Mas a FIA está investigando. Com força. Uma vez comprovada a falcatrua, o mínimo que se exige é o banimento dessas figuras da F-1, e uma enorme punição à Renault. E Alonso deveria devolver o troféu — ele alega que não sabia de nada, e será difícil provar o contrário.

Nelsinho está livre de sanções, porque entrou num esquema de "delação premiada". Mas a F-1 se encarregará de puni-lo. O linchamento moral já está em curso.

http://esporte.ig.com.br/grandepremio/formula1/2009/09/11/coluna+warm+up+fim+de+linha+8398914.html

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