Com liberdades em relação à história, diretor trata o nascimento do mito com ênfase para as cenas de batalha
ALEXANDRE AGABITI FERNANDEZ
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
E ncarnação da justiça social, símbolo da revolta dos fracos contra os poderosos, o mito medieval de Robin Hood foi muito parodiado no cinema, quando não literalmente ridicularizado. É o que acontece em "Os Aventureiros do Tempo", de Terry Gilliam (1981), ou em "Robin Hood - O Príncipe dos Ladrões" (1991), de Kevin Reynolds, com Kevin Costner na pele do justiceiro. Diluída, a lenda recupera força pelas mãos de Ridley Scott. O filme fala mais do nascimento do mito do que do próprio. Para isso, toma algumas liberdades em relação à história.
A mais importante, e que está na origem de todas as outras liberdades, é fazer Ricardo Coração de Leão, rei da Inglaterra, perecer no retorno da Terceira Cruzada, durante o cerco a um castelo na França. O roteiro também muda algumas coisas na lenda. A tradição reza que Robin de Locksley é um fidalgo. No filme, Robin (Russell Crowe) tem o sobrenome Longstride e é um humilde arqueiro a serviço do rei Ricardo (Danny Huston).
Depois de algumas peripécias, ele assume a identidade de Sir Robert Loxley (Douglas Hodge), cavaleiro real morto enquanto levava a coroa de volta à Inglaterra. Fingindo ser Loxley, Robin acaba entregando a coroa ao inepto João sem Terra (Oscar Isaac), irmão de Ricardo, que se torna o novo soberano. Em seguida, vai a Nottingham, terra do verdadeiro Loxley, e acaba vivendo com a mulher deste, Lady Marian (Cate Blanchett). O Robin Hood revisto por Ridley Scott vai se tornando cada vez mais político à medida que a narrativa avança.
Ele não é ainda "aquele que rouba dos ricos para dar aos pobres", mas é descrito como arauto da causa democrática, em luta contra os poderes instituídos -sejam eles o corrupto xerife do condado ou o próprio João sem Terra. Este aumenta os impostos a ponto de condenar boa parte da população à fome; trai a Magna Carta, que o impedia de exercer o poder absoluto, e leva a Inglaterra à beira da guerra civil.
Como de hábito, Scott mostra gosto por cenas de batalha. A melhor é a do cerco de Ricardo ao castelo, com lançamento de líquidos viscosos ferventes e corpos caindo das torres. A menos convincente é a do combate final, em que o Exército francês é vencido ao desembarcar na Inglaterra. A chuva de flechas é perfeita demais para ser verossímil, a montagem fragmenta excessivamente os movimentos e o espaço, e a presença de Lady Marian -com armadura- só serve para que Robin a salve, adoçando o austero romance.
ROBIN HOOD
Direção: Ridley Scott
Produção: EUA/Reino Unido, 2010
Onde: nos cines Bristol, Center Norte Cinemark e circuito
Com: Russell Crowe, Cate Blanchett
Classificação: 14 anos
Avaliação: bom
Rodrigo Fonseca
O Globo | 15:15h | 29.ABR.2010
‘Alice no País das Maravilhas’ substitui a menininha indefesa da versão animada dos estúdios Disney de 1951 (que sedimentou a personagem de Lewis Carroll no imaginário cinéfilo) por uma Joana d’Arc impávida, cuja gana guerreira vem do talento da atriz australiana Mia Wasikowska. Tal releitura — que vem ouriçando o conservadorismo da crítica — comprova o pecado cometido por Timothy William Burton: o pecado da autoralidade. Abençoada seja!
É zero a subserviência do diretor de “Ed Wood” à fauna de Carroll — compreensível quando se trata da filtragem de um autor por outro. Há fusões e reduções de personagens e plots dramáticos nesta revisão burtoniana dos livros “Através do espelho” (1871) e “Aventuras de Alice no País das Maravilhas” (1865). Da revisão, brota um vulcão multicolorido, realçado pelo 3-D, que deixa evidente o único rasgo de fidelidade do cineasta à matéria-prima: vem de Carroll a necessidade de impor o nonsense ao realismo. Daí os exageros — e as licenças poéticas — de um filme que tem no Chapeleiro Maluco (o bruxo Johnny Depp) um arlequim triste. Triste por perceber, no contato com Alice, sua própria inadequação a um mundo onde a falta de regras não aplaca solidões.
Érico Reis
O Globo | 15:13h | 29.ABR.2010
O.k., este Bonequinho admite sua total incapacidade de decifrar charadas filosóficas e psicológicas contidas na obra de Lewis Carroll. Esperava que Tim Burton, diretor de obras de visual e proposta requintados como a animação “A noiva-cadáver” lançasse luz nos enigmas propostos por Carroll. Mas as adivinhações e paralelos formulados pelo escritor inglês não ficaram claros. Burton não buscou fidelidade nos dois livros de Charles Dodgson, nome verdadeiro de Lewis Carroll: “Aventuras de Alice no País das Maravilhas” e sua continuação, “Através do espelho”.
A infidelidade começa com a protagonista (Mia Wasikowska), que, no filme de Burton, tem 19 anos, não é mais uma garotinha, e volta a um mundo fantástico ao cair numa toca de coelho, onde reencontra amigos como o Chapeleiro Maluco (Johnny Depp) empenhados em se defender da déspota Rainha Vermelha (Helena Bonham Carter).
Visualmente, o filme é impecável, valorizado pelo formato 3-D e por efeitos visuais de primeira. O elenco, com destaque para Helena, impagável no efeito que lhe aumenta a cabeça, também está bem. Mas apesar (ou por causa) de Tim Burton, a história segue lisérgica demais.
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