quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Umbigolândia

Dias desses encontrei uma amiga que me disse que está achando tudo e todo mundo chato. Que a violência está demais, que o dinheiro não dá pra nada, que o trânsito está uma loucura, que o amor já era, que ninguém mais quer amar ninguém, homem é uma raça em extinção e por aí vai. Em seguida abanou os braços, gritou “Táxi!” e, antes de entrar no carro, arrematou:

- E ainda tem esses táxis uó de vidro preto que a gente nunca sabe se estão vazios ou ocupados! Beijão, vê se me liga você também, pô!

E foi embora, largando no meu colo aquela corbeille de reclamações e uma cobradinha final. Fiquei ali, parado, pensando nas palavras dela, enquanto o táxi de vidro preto empacava no trânsito uma quadra adiante. É, minha amiga, certamente a vida não anda nada fácil, quem sai de casa não sabe se volta, namorar está brabo e ai de quem reagir a qualquer tipo de violência. Reagir é um perigo mesmo. Principalmente se a reação for de ordem mais, digamos, psicológica, tipo reagir-a-algum-comentário-maldoso-sobre-você-na-sua-cara. Neste quesito eu tenho muita dificuldade: ou não reajo ou só reajo uma semana depois. Naquele breve encontro, só minha amiga falou. Despejou suas reclamações em cima de mim e se mandou. E eu fiquei sem reação.

Bem, reagir como, se ela não me deu chance? Só ela falou e eu fiquei ali de “vinagrete” – só de acompanhamento. E o que é reagir? Penso que, ao pé da letra, reagir significa agir novamente, ou “agir de volta”. E por que reagir é um perigo? Porque a reação confere ao outro o poder de tomar posição. Ter atitude. Trocar. Crescer. Será? Talvez. Mas está tão difícil reagir. Trocar. Crescer. Está difícil dialogar. Vivemos a era do monólogo, do “eu” exacerbado, do “meu espaço”, da “minha individualidade”, do “meu momento”, enfim, da Umbigolândia. E é cada vez maior a população desta estranha terra, ocupada por um único habitante, rei e súdito ao mesmo tempo: o ego. Na Umbigolândia, só uma pessoa interessa: o eu. O outro é mera circunstância. O assunto é um só. Só um fala e ponto. Eu sei que estou generalizando, e me perdoem por isso. Mas do jeito que a coisa está, não me resta pensar em outra coisa.

Foi minha amiga quem, involuntariamente, trouxe essas questões à minha mente. A escuta está virando artigo de luxo. Aquele que tem o dom da escuta – sim, nos dias de hoje escutar o outro é honrar um dom - tem aberto o canal da inteligência. Do crescimento. Do auto-conhecimento e do conhecimento do outro. Do mundo. E é INCRÍVEL como a indústria do consumo corteja sem parar o individualismo desenfreado. A internet, então, é a fada madrinha dos solitários. Bibiti-bobiti-bum! E lá está você diante do mundo. Sozinho. E o universo faz a sua parte conspirando a favor. Conspirando e pirando. É muita gente no mundo. Muita gente procurando. Buscando. Querendo. Pouca gente escutando. Encontrando. Suprindo. E quanto mais gente, mais ego. E quanto mais ego, mais solidão.

Na Umbigolândia, ego gera ego. E o profeta disse que gentileza gera gentileza. Pra minha amiga, que está (espero eu) passando uma temporada na Umbigolândia, isso não interessa, até porque quem mora lá não enxerga um palmo adiante do umbigo. Pra quem mora aqui na Terra mesmo, a premissa do profeta é um toque. Gentileza gera gentileza. Que gera escuta. Que gera troca. Que torna mais suportáveis problemas modernos como egolatria, consumo desenfreado, falta de amor, de companhia, de solidão. Se bem que a solidão não sente falta de companhia. Até porque ela está sempre ao lado de alguém.
Aloísio de Abreu

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